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Mostrando postagens de 2005

Do que pode vir a ser.

A lua não brilhava no céu daquela quinta-feira. Noite amena; nada de nuvens, nada de estrelas, brisa leve espalhando algumas folhas secas no jardim. Ando de um lado para o outro, do quarto pro banheiro, do banheiro pro quarto. Estou vinte minutos atrasada. Ele vai passar para me pegar daqui a pouco e ainda estou enrolada na toalha, droga!, onde eu guardei minha calcinha preta? Mãe, onde está o estojo da maquiagem? Esquece, já achei. Minha mão está lambuzada de hidratante, o estojo está escorregando, mãe segura o estojo, mãe, mãe! O espelho quebrou. Tudo o que eu não precisava. O ano prestes a terminar, e quebro um espelho. Mais sete anos de azar? Tudo o que eu não precisava. Olho para os cacos de espelhos no chão, me lembro de Quintana: "Os espelhos quebrados tem mais luas." Não há lua no céu, mas há vários "eus" nos espelhos. Imagens reais, vituais, reflexos. Imagens. Quem sou eu? E se colar os pedaços? Viro um mosaico? A buzina toca lá fora, mãe pede pra ele esper

Conversas, ausências e distância.

Jeans black da Levi´s, sandália da Melissa, bata branca da Hering -- não, não estou recebendo pela propaganda. Cabelos penteados, com cachos nas pontas, curtos. Unhas pintadas, blush, pancake, sombra, batom. Perfume. Perfeita. No fundinho do meu coração mora uma saudade imensa, que não mata nem fere. Se queria que ele estivesse aqui para me ver tão bonita? Sim, queria. Mas não choro mais, "só levo a saudade"... Não acredito em coisas perfeitas, e meu natal não seria perfeito se ele estivesse aqui, assim como não será com ele distante. Mas a saudade, meu caro, é um fato. Sinto sua falta, quer acredite, quer não. Hum... Um beijo. Do tamanho do meu carinho. Pra você mesmo, Sr. Boi Bobo.

Hã... Feliz Natal?

Eba! Peru! Frutinhas! Primos amados em BH! Nozes! Hum... Nozes! Eu não detesto natal. Não gosto de musiquinhas de natal, nem rezo na hora da ceia, mas não detesto natal. Eu como nozes no natal. É quase possível amá-lo, só por causa das nozes.

Pavio curto por um triz

Poucas coisas podem ser piores que comprar presente pra mãe. Você convive com a pessoa desde antes de nascer, e vacila na hora de escolher uma mera lembrancinha! Não pode dar algo caro, mas não quer artefato vagabundo. Se opta por uma roupa, acaba confundindo -- quase que sem querer -- o que você sabe sobre os gostos dela com o que você acha que ela gosta. É uma merda. Ela bem tenta fingir, diz que amou o presente, dá aquele sorriso amarelado -- por culpa do café e do cigarro, ele realmente é amarelo --, diz que não poderia ter ganhado presente melhor. E você sabe, com total e absoluta certeza, que ela não gostou. Bate, então, aquela sensação de 'deveria ter procurado melhor', ou 'fui caprichar e me estrepei'. Era bem mais fácil quando meu pai comprava os presentes, e eu só entregava. Ela sabia qua não fora eu quem escolhera, daí o sorriso vinha não pelo presente, mas pela atitude. Ontem, devido a uma relação já muito desgastada pelo excesso de contato, ela não se senti

Bobaginha...

Última postagem: 7 de dezembro. Quase uma semana sem escrever. Até eu estou estranhando tanto silêncio. Idéias múltiplas e variadas pulularam na minha cabeça durante esta "uma semana" de ausência, mas nada parecia plausível para ser tema de texto; tudo parecia pessoal demais, íntimo demais. Ando um pouco "à flor da pele", e é delicado escrever quando se está assim. Mas, para hoje, nada de explosões ou sentimentos incontíveis. Este texto é só uma justificativa para o meu silenciar. Uma justificativa pra mim? Ou para os outros? Eu escrevo pra quem? Passei a semana inteira me perguntando isso. Uma hora a resposta chega via correios...

Sobre-pernas.

Beleza é fundamental, eu sei. Mas e caráter? Se posso comprar peitos, bundas, cabelos, narizes, bocas, anti-rugas. Se posso, ao mudar o corte cabelo, adquirir outra personalidade, outros gostos, outras vontades. Se posso decorar duas ou três letras de música e convencer qualquer homem que o amo. Se posso dizer 'eu te amo' sem efetivamente amar. Se posso pingar colírio nos olhos e me debulhar em lágrimas. Se posso usar uma pasta dental branqueadora e nunca mais sorrir amarelo. Se posso vestir um sutiã com enchimento e ficar 'gostosa'. Se posso vestir uma roupa de marca e me tornar refinada. Se posso comprar um corretivo facial e esconder as manchas. Se posso decorar passagens clássicas de livros clássicos de autores clássicos, e posar de culta. Se posso comprar um par de óculos e posar de culta. Se posso me calar durante as conversar e posar de culta -- melhor, observadora. Não preciso de caráter. Posso ser o que quiser, na hora que quiser, do jeito que quiser. Não preci

Um sentido.

Meu amor tem cheiro de chicletes. Chicletes sabor tutti-fruti. Não é o cheiro que mais gosto, mas é o cheiro dele. Tem cheiro de fralda nova, também. E de talco, pomada para assadura. Cheiro de amor infantil. Bebê mesmo. Tem cheiro que eu gosto muito mais. Cheiro da comida da minha mãe, cheiro da roupa de minha mãe, cheiro do colo da minha mãe. Mãe sempre tem cheiro bom. Quer cheiro mais perfeitoso que o de mato molhado, assim depois dessas chuvas de verão? Tem cheiro que não é bom de jeito nenhum, mas que eu não largo. O cheiro de cigarro de uns amigos, o cheiro de cachaça de uns amigos, o cheiro de preguiça de uns amigos - preguiça tem cheiro. O meu cabelo tem cheiro bom. Meu perfume também. Mas não fico me cheirando o dia inteirinho; só de vez em quando. Conheço um monte de cheiros, sim senhor. De café novo, de frango assado, de batata frita. Mas hoje só senti cheiro de chicletes. Será que saudade tem cheiro de tutti-fruti?

in.devido

Sentir e ressentir a mão que silencia o beijo. Qual o desejo, sentir ou não sentir? Do impedimento que me faz querer mais, do não devir que me faz querer mais, dizer ou maldizer? A cada toque ausente aumenta o desejo da minha boca calar seus dedos. Delírio imaginar flores no impossível... Mais, mais e mais.

(Esqueci de pensar em um título)

Tomei uma grande decisão na minha vida: vou procurar um analista. Vou gastar meu dinheiro batendo papo durante horas e horas com alguém que, pelo menos em teoria, vai tirar da cartola a solução para meus problemas. Serei importante! Terei assunto para as conversas sociais! Como diria um carioca amigo meu : "Caraaaaaaaaaaaaca!" Deste jeitinho assim. Que sensação reconfortante me traz a banalidade. Afh. Onde é que está Macunaíma pra dizer "Ai! que preguiça..."? Uma hora por semana separada exclusivamente para falar sobre mim. Meu analista - possivelmente um machistinha enrustido - vai simular interesse a respeito de minha vida pequena, e eu vou falar, falar e falar, como se minha vida fosse algo grandioso. Não, o problema não é superficialidade das relações humanas. Vou procurar um analista por outro motivo. Cansei de conversar com o espelho, quero ouvir um "ah hã" entre uma frase e outra que eu disser. "Ai! que preguiça..." Se Macunaíma não diz, e

Comédia sobre um súbito ataque de gastrite nervosa.

Primeiro ato: pela segunda vez ele passa ao meu lado e finge não me conhecer. Contrariamente a outras ocasiões um comichão percorre toda a extensão da minha língua, materializando a vontade imensa de dizer "boa tarde". O mesmo comichão que certamente acentuaria o ponto de ironia no final da frase. Engulo o cumprimento como quem toma um remédio amargo e sigo o script, fingindo não conhecê-lo também. Horas depois, quando muito bem acomodada na cadeira do restaurante, chegaria à conclusão de que fora melhor assim. Tento me distrair com a conversa das minhas amigas. Elas falam trivialidades e tomam chopp; eu me limito a rir quando necessário. Dou-me o direito de ausentar da realidade neste exato instante. A presença dele me perturba. Não consigo pensar em outra coisa a não ser ir até sua mesa, enfiar o dedo em sua cara e perguntar "não vai falar nada não, babaca?". Como é que ele consegue ficar calado? Como consegue fingir que não aconteceu nada? Não, não é a prese

Quanta bobagem.

Plural. Foi assim que levantei hoje de manhã. Plural. Quieta, sorridente, empolgada, silenciosa. Sem voz, com sono, sem paciência, com dor. Absolutamente convicta de que o meu estado de espírito não afeta ninguém no mundo. E sem me importar caso afete. Posso ser e estar o que quiser. É fácil sair de casa, dar bom dia, tomar café, pegar ônibus. Difícil é ter o que falar. Ter quem te escute. Conviver. Há muito tempo não me sentia incomodada em ter de me misturar, sociabilizar. Mas o incômodo veio, mesclado a uma estranha sensação de estar fora do plano real. Como se estivesse envolta em camadas e camadas de bruma. Hoje não há voz para dizer o que for preciso. E não haverão ouvidos para escutar o desnecessário. É confortável abrigar-me sob o silêncio... Vou tomar sorvete sentada sobre a grama molhada.

Nostálgica.

Vê o vaso na janela? As flores estão murchando, e não há botões para uma nova florada. Meu pijama de bolinhas! A calça já não cabe, na blusa mais buracos que bolinhas. As bonecas estão dentro do armário, e os usinhos em cima da cama; meu cachorro é mais velho que eu...! Talvez não devesse gostar daquilo que há quinze anos eu gostava... (Amadurecer?) Mas kalanchoe ainda é minha flor predileta o pijama de bolinhas, o mais bonito os ursinhos, meus confidentes. Por quê abandonar as coisas que me são caras, as pessoas que me são caras? Cresço e levo as lembranças junto a mim. E roxo ainda é minha cor preferida. (Poema encontrado em um caderno velho; devo ter escrito no primeiro semestre de 2004.)

Luz dos olhos

Crianças são fabulosas. Como é que elas conseguem arrancar sorrisos largos e sinceros de mim tão facilmente? Basta ouvir barulho de criança e o sorriso vem a galope tomar minha boca, explorando toda a elasticidade do meu rosto. É irresistível. Há dois minutos atrás eu parecia uma menina de cinco anos de idade; uma moça (a Roberta) apareceu no meu trabalho com o filho de dez meses, o Vitor. Grandes bochechas, olhos espertos, manhoso até não poder mais. Quer coisa mais gostosa? Só carregando no colo pra melhorar. Sentamos os dois (eu e Vitor) na minha cadeira, em frente ao computador. Como todo menino pequeno, nada escapava a sua gana de querer pegar, bater, colocar na boca, jogar pro alto. Primeiro foi meu celular que quase morreu afogado; depois o teclado, que, não fossem as minhas intervenções, estaria semi estraçalhado. Coloquei o fone perto do seu ouvido - estava tocando Nando Reis - e, após ouvir a música por trinta segundos, lá foi o Vitor puxar o fio. Minhas tentativas para distr

Olhando de cima.

Quer o Otávio goste, quer não, resolvi colocar um poema dele no meu blog. Quem é Otávio? Um amigo meu que escreve bem pra caralh... Resolvi tirar folga de mim hoje. Mas divirtam-se com o poeminha abaixo, que, por sinal, é muito bom. E pra quem quiser ler mais coisas do Sr. Otávio Xavier: www.ruadoamendoim.cjb.net Té mais! Metades Vazio, cheio vazio. Repleto. Ausente. Completo. Carente. Vazio achei o vazio. O copo só está. O corpo também. (Otávio Xavier)

Entre uvas meio verdes e desejos já maduros.

Continuo ácida. Humor ácido, palavras ácidas, estômago ácido. Tomarei um anti-ácido ao chegar em casa? Não sei. Farei yoga na sala de piano? Não sei. Gritarei qualquer bobagem no ouvido do meu irmão só pelo prazer de incomodá-lo? ... Ocilo neste exato instante entre culpar ou não a humanidade pela minha acidez. Um amigo acabou de perguntar por quê sou triste no blog e feliz ao vivo. Não é isso. Não dá pra ser tão maniqueísta assim. Eu sou tanto uma coisa quanto a outra, mas no momento as coisas não têm sido fáceis para mim. O que não quer dizer que eu vá ficar chorando pelos cantos, contando minhas desventuras paras as paredes. Não vivo em função das minhas dores. E o resto do mundo não tem nada a ver com o que eu sinto ou deixo de sentir. Se eu estiver afim de falar, eu falo. Se você estiver afim de perguntar, pergunte. Mas voltando às uvas meio verdes... "Essa ferida, meu bem, às vezes não sara nunca às vezes sara amanhã."

Faça um favor a si mesmo: não leia isso.

Tire seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor. Ou seu piercing, caso você seja mais um "modernoso". Mas saia da frente. Veneno escorrendo lentamente. Estou quase me convencendo de que posso ficar mau humorada - geralmente eu não fico, só digo que fico. Vou tirar o dia para odiar tudo aquilo que efetivamente odeio. Odeio jiló. Odeio me olhar no espelho e perceber que engordei de novo. Odeio encontrar meus cds no quarto do meu irmão. Odeio quando preciso escrever trabalhos quilométricos e não consigo elaborar nem a "introdução". Odeio quando o telefone dá ocupado. Odeio quando meu celular começa a chiar. Odeio cólicas. Odeio ouvir minha mãe dizer "eu te avisei, Andrea". Odeio ver pessoas felizes na rua quando meu mundo está desabando. Odeio criar expectativas. Odeio ser ansiosa. Odeio quando eles não caem na minha chantagem emocional. Odeio pedir colo. Odeio acordar de manhã cedo. Odeio ressaca. Odeio quando não me escutam. Odeiam quando fi

Me encontrou tão desarmada que arranhou meu coração...

Mamãe mandou: "goste mais de você, menina." Ela disse isso há quatro horas atrás, e "isso" simplesmente não saiu da minha cabeça até agora. Não foi um "lave atrás da orelha", "vai arrumar a cama", ou "vai sair de novo?". Não foi conselho de mãe; foi conselho de pessoa vivida. Como doeu escutar aquilo! Não que eu tenha considerado ofensivo, não é isso. A questão é que bateu fundo, me fez olhar no espelho e constatar que eu tenho cuidado muito pouco de mim. Pela primeira vez eu percebi que minha alma está, assim como o meu corpo, repleta de cicatrizes. E pelo mesmo motivo: falta de atenção. Cicatrizes não são um sinal de vivência; são marcas de uma vida tocada com desleixo. Talvez a motivação da minha mãe tenha origens mais puritanas do que posso absorver mas, ainda assim, são válidas. Se entregar não é dar ao outro as rédeas dos seus sentimentos.

Derradeira estação.

Ao meu lado, um espaço vazio; dentro de mim, um coração invadido pelas lembranças. "Pior que a ausência do amor, a memória do amor". Quantas vezes mais essa frase se repetirá no interior dos meus pensamentos? Quê fazer quando o coração se cansa de tanto amar e desamar, preferindo se perder em dores antigas a recomeçar outra jornada? Parando para respirar. Estou de altas. Fechada para balanço. Em obras. Cuidado: cão bravo. Atenção: piso molhado. Perigo: alta voltagem. Este lado para cima.... Sem perder o humor e sem tirar o sorriso besta da cara, vou tocar minha vida tentando não tocar nas feridas -- urgh, rimou! Difícil foi, é e será. Isso não importa muito, na verdade. O importante é que o Banco Real dá 10 dias no cheque especial sem juros. Tá, pode rir! Pode mesmo, até eu estou rindo...! O relógio bateu meia-noite, a carruagem virou abóbora e os cavalos, ratos. Não perdi um sapatinho de cristal, nem um príncipe irá me salvar das garras da madrasta cruel. Mas estou voltando

Eu era assim...

Pequena, bochechuda e com cara de sapeca. Essa é a Deia versão 1987. De fraldinha de pano -- porque tinha alergia à fralda descartável -, pituca no cabelo e língua de fora. Quanta diferença pra Deia versão 2005! Sou agora uma mulher tagarela, pentelha, cheia de vícios. Nem sei qual é melhor. Mas às vezes eu queria retornar a minha fase "papinha". Eu dormia muito mais, comia mais, via mais televisão. E mamãe ainda contava historinhas pra mim! Ê vidão...

"Why does it always rain on me?"

SAPATO NOVO (Marcelo Camelo) Bem, como vai você? Levo assim calado de lá tudo que sonhei um dia como se a alegria recolhesse a mão pra não me alcançar Poderia até pensar que foi tudo sonho ponho meu sapato novo e vou passear sozinho como der eu vou até a beira besteira qualquer nem choro mais só levo a saudade morena é tudo que vale a pena *** Tem dia em que falta tudo; falta tempo, falta paciência, falta palavra... Cá estou eu num desses! Acho que o Fran Healy (vocalista do Travis - a frase do título é de uma música dele) e o Camelo podem dizer o que estou sentindo melhor que eu mesma. Outro dia eu escrevo... "Agora deixa eu dormir..."

Papai do céu me detesta.

Definitivamente. E não é pouco não. Ele me bate com uma mão e afaga com a outra. Isso não é postura de um "pai" que "ama" seus filhos. Quando eu penso que o dia não vai ficar pior, bingo!, lá vem ele me mostrar que, se ele quiser, pode sim. Mas não adianta! Pode mostrar seu poder, babacão. Não aceito hierarquias desde pequena, e não vai ser melando a minha vida que eu vou te obedecer. Nem fazendo dela um mar de rosas. Eu não obedeço é de jeito nenhum. Anda, junta as nuvens, junta! Faz chover, só porque vou ao centro da cidade hoje! Pode chover, eu não ligo. Eu chego em casa e tomo um banho quente, depois me enrolo em uma toalha e vou pra debaixo das cobertas.

Sobre estar só.

Sei que existe o fotógrafo. Outros turistas. Pessoas passeando. Mas, invariavelmente, estou sozinha; há, na fotografia, somente eu, o mar e um pedacinho de ilha. Sim, há o fotógrafo! E quão importante ele foi para a existência desta foto! Mas, irremediavelmente, ele não está ao meu lado. Se ele deveria estar, isso eu já não sei. A vista é bonita, mesmo estando o céu nublado – o Arpoador, visto pela primeira vez, é estonteante. Provavelmente eu não me sentia sozinha no momento da foto – eu estava apenas de costas para o fotógrafo -, mas agora eu me sinto. E a foto me remete a um vazio enorme dentro de mim. Bom ou ruim? Não sei. Talvez os dois. Talvez minha solidão precise ser um pouco de cada, pura dialética.

Diálogo a sós II

Estou me sentindo tão leve...! É quase possível voar. Desatei as amarras que prendiam meus pés ao leito do meu rio de águas passadas... Algo se esvai pelos dedos de minha mão, pelos poros da pele; perfume que, aos poucos, se despreende e dissolve no ar. Lentamente o passado volta a figurar como lembrança, momento já findo; não faz mais sentido evocá-lo em pequenos fragmentos de realidade. Não sofro mais a dor da perda. Talvez ainda exista uma sombra, mas não a dor em si. Pouco a pouco vou enterrando meus fantasmas, deixando-os ao encargos da memória e de seus demônios pessoais. Nenhuma lágrima e nenhuma palavra pode trazer de volta o que já não existe mais. Aos poucos eles se tornam, cada vez mais, apenas lembrança, partes do passado - finito, encerrado em si. De nada adianta ressucitar mortos; eles não retornam a viver, muito menos deixam de estar mortos. E, no entanto, eu estou viva. Viva... (Por quê o espelho sabe tão mais coisas que eu?) - ...

Diálogo a sós I

- Eu amo você. - Hã? - É. É isso. - Isso o quê? - Eu. Eu amo você. - Do quê é que você está falando? - De amor, oras! - Tem certeza? - Qual a dúvida? Está mais do que óbvio, estou falando de amor! Amor, sabe? Aquela coisa de ansiedade, coração acelerado, do rubor que acomete a face... - Você está ansioso? - Não. - Seu coração está acelerado? - Acho que agora não... - E seu rosto não está vermelho. Não, você não está falando de amor! - Como não? - Está falando de você. De um sentimento que você quer fazer existir. Mas não de amor. - Não! Não é isso... Você não compreende...! - Realmente, eu não compreendo. Tanto quanto você! Olhe para si; carne ou desejo, pele ou sonho, sangue ou sentimento? Onde termina o concreto e começa o abstrato dentro do seu "eu"? - Não sei, não sei! Mas para que tanta confusão? Se falo sobre amor, falo sobre mim. Mas não deixo de falar de amor. Uma coisa não anula a outra, oras! - Escute... Você fala do amor que sente, ou da idéia de amor que desejari
"Quem quer entender o destino tem de sobreviver a ele." Jostein Gaarder Com qual estapafúrdia clareza passado e futuro se fizeram entender, bem diante dos meus olhos, há menos de dois segundos atrás? Momento raro, disperso no tempo; pudera eu prendê-lo em minhas mãos. Todas as perguntas, todas as respostas... Estavam todas ali, ao meu alcance. Sim!, eu poderia fazer este momento durar eternamente. E pagaria um preço por isso; mistérios deixariam de ser mistérios, dores e paixões deixariam de ser sentidos para galgarem o posto de "acontecimentos" - datados, medidos, previsíveis. Talvez eu pudesse ser mais feliz assim, vivendo em uma realidade tátil. talvez, porque não me dei tempo suficiente para ter descobrir. Uma certeza bastou; uma, apenas. Todo aquele carnaval na minha cabeça, minhas idéias e sentimentos lançados ao alto feito confete e serpentina, tudo isso a troco da simples e efêmera certeza de que valeu a pena chegar até aqui e prosseguir há de fazer valer ma

Da perda

De repente já não faziam mais sentido a sala, o quarto, o piano. Por alguns instantes, curtos instantes, eu senti o peso de sua ausência. A dor, maquiada pela rotina, nem parece mais dor - sem, no entanto, deixar de ser. Um fino veio de melancolia aflorou quando entrei na sala escura, rasgando o cimento da invunerabilidade. Fora eu, a vida ou o tempo quem não me permitiu aceitar as feridas abertas? Há feridas, e há motivo para tê-las. A razão esclarece o mundo mas não muda os fatos. Sei da certeza, da necessidade; nunca quis prendê-la a mim ou revogar seu direito à paz. E se antes neguei espaço à fragilidade, hoje a recebo de braços abertos, aceitando-a como condição da minha humanidade. Um dia, quem sabe, hei de ser o forte o bastante para chorar todas as lágrimas contidas ao longo do caminho.
Amor ou idéia de amor? "Tudo é possível, só eu impossível", diria Drummond. Basta querer e amor ganha cor, forma, cheiro, lugar, tempo, medida. Amor ou idéia de amor? Meu amor é verde. Grande. Platônico. Quer dizer... Meu amor de agora. Porque amor é um só e é multiplo. Todas as contradições se fazem possíveis em algo - o amor - que não pode ser contraditório. Depois só eu sou maluca... Continuo sendo impossível, meus caros. Vendo o que não existe, sendo o que não é, dizendo o que não "dizível". Salve, salve, neologismos e eufemismos.