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Mostrando postagens de 2006

Sai do portão e vem brincar

Anda, sô, toca a campainha e corre! Não posso. Não mais. Eu quero tocar a campainha e esperar. Se for moça dar bom dia, se for velha pedir um copo d'água, se for cachorro tropeçar nos pés e cair na calçada. Eu quero tocar a campainha e esperar. Cansei de dar as costas à vida e entrar debaixo da saia da minha mãe. Eu quero o esporro, o sorriso e o desprezo.

C.3

Quis acender um cigarro, tirar a roupa, abrir a garrafa de vinho tinto, sentar no chão, ficar bêbada, fitar a parede, quebrar a taça, cortar o dedo, beber no gargalo, chorar de dor, chorar por mim, chorar por nada, soluçar, acender outro cigarro, rir do meu desespero, tossir, fitar o teto, derramar vinho no tapete. A música acabou e eu não quis mais.

C.1

Porquê às vezes o nó parece um belo laço de fita. A noite mal dormida faz valer o poema. E a vida, na ânsia de provar a fatalidade, confunde os sentidos e me deixa a perder-me entre amargos, boninas, rigídos e amantegados. Dentro de mim não há um silêncio voraz. Dentro de mim não há um coração que sangra. Dentro de mim há apenas eu, assim mesmo, só. Um eu onde não cabe defeito, não cabe virtude, os sonhos são grandes demais. O espaço é suficiente para fechar os olhos com força e no escuro ver explodir centenas de estrelas que despecam sobre a retina. Só.

1° de janeiro

Eu quero um homem que lave meus pés e molhe minha boca. Homem que me faça rasgar as roupas, manchar as paredes e quebrar camas. Homem que me faça pensar na próxima transa, e não no possível primeiro buquê de rosas. Homem que me faça tremer de desejo ao encostar as mãos em minhas costas. Homem que me queira, e por me querer esteja comigo de corpo inteiro - seja por uma noite, uma semana ou uma vida (ok, uma vida é tempo demais. Contento-me, por enquanto, com um dia de cada vez). Eu quero tudo a que tenho direito, incluindo pernas doloridas e sorrisos saudosos do corpo quente e moreno que me terá feito perder a hora, a aula e a atenção. Eu quero o direito de respeitar meus instintos. E um homem que respeite a mulher que eu sou.

De dentro do ônibus

Às vezes incomoda a garoa no fim da tarde. Às vezes incomoda um dente. Às vezes incomoda uma unha no pé. Incomoda, às vezes, todas as pessoas me olhando. Incomoda também a consciência pesada que me faz crer que há pessoas a me observar. O próprio incômodo se faz, às vezes, incômodo. Às vezes não incomoda. Às vezes nada incomoda. O frio, a pressa, o aperto, incomoda em nada. Às vezes a pele me salva. O cheiro me salva. O tato me salva. E nem a crítica incomoda. Às vezes.

E?

Este não é o meu quarto. Esta não é a minha casa. Não são meus a cozinha, o cinzeiro ou o sabonete. Aos poucos vou conhecendo os detalhes, o estar de cada coisa, o olhar oblíquo e a palavra que se esquiva de uma pergunta indelicada. Eu poderia pertencer a este lugar, confundir meu cheiro com dele, e, ainda sim, nada seria meu. Deveria me sentir uma invasora. Há outra dona para este lar. Posso senti-la no vapor que sai da chaleira. Posso vê-la nos lençóis que cobrem as camas. Posso ouvi-la no barulho da rua que chega através das janelas. A esta “uma” pertence tudo o que se respira ou se cala. Deveria me sentir invadida. Entrei por aquela porta sem saber que houvera outra a desfilar odores femininos pelo corredor. Sem saber que música dançar. Sem saber com que mãos ouvir. Entrei sozinha, desarmada, permeável. Deveria nada sentir e ir embora. Ainda não fui. Nada quero possuir. Quero tão somente estar. Poder chegar e partir sem me partir ao meio. Estar aqui e, ao sair, não estar nem mais,

Baby, bye bye

"Me coloca na cama se eu dormir?" Ele respondeu com um beijo rápido, e aninhei sobre suas pernas. O sofá estava tão aconchegante, o colo dele tão convidativo! Mal conseguia manter meus olhos abertos. Tentei assistir o filme, mas ele começou a mexer em meus cabelos... Acabei dormindo na sala de estar. Acordei cedo, mesmo sendo domingo. Ele dormia profundamente, num respirar lento, tranqüilo, relaxado... Há tempos não o via assim! Ajeitei as cobertas sobre seu corpo e sai da cama. Fui até o banheiro lavar o rosto e, ao olhar no espelho, percebi sem muita certeza tristeza em meu sorriso. A casa estava gelada, há anos não fazia um inverno tão rigoroso. Vesti o moletom vermelho, preparei um chá de maçã e sentei na rede da varanda. O céu estava clareando, não havia movimento na rua, o vento a embaraçar meus cabelos... Me perdi em meio às lembranças da noite anterior. Fora tudo inesperadamente perfeito: o telefonema, a praça, a pizza, o vinho, o sexo, o início do filme. E també

Quase uma inutilidade pública

Perdão pela ausência de textos... Cansaço, falta de tempo, falta de saúde e falta de computador disponível nas horas vagas.

Leve, bem de leve

Amanhã comprarei um pacote de balas de gelatina, uma garrafa de guaraná, três pacotes de biscoito recheado e uma caixa de bombons. Colocarei tudo dentro da mochila de ursinho, junto dos guardanapos xadrez, do prato de menininha e da caneca de leão. Armada até os dentes de bobagem vou invadir o jardim, abrir uma toalha branca no chão e montar acampamento. O sol não queimará meu rosto, e nem as formigas tentarão me atacar. Vou comer, comer, e quando me fartar de tanto doce deitarei sobre a toalha - meu pé estará limpinho, mamãe não terá motivos para xingar. Será o início da grande batalha. Apoiando a simpática edição de "Contos de Grimm" nos joelhos, explorarei todas as fronteiras da minha imaginação. Um silêncio quase virginal me protegerá dos ataques externos. A campanha será árdua, posto que para recriar um universo perdido na memória será necessário buscar em remotas lembranças as mais sutis cores da infância. A luta terminará tão somente quando ouvir alguém chamar: "A

Espuma e vinho seco

Helena encheu a taça, diminuiu a intensidade da luz e sentou na cadeira de balanço. No toca-disco, um antigo vinil de tango argentino; o aparelho de cds estava perfeitas condições, mas alguma lembrança antiga -- talvez anterior até ao seu nascimento -- a conduziu ao empoeirado toca-discos. Lentamente a música foi ocupando todos os cantos da casa, todos os cantos de Helena. "Era a Vó Cilica que gostava dessa música, não era?" A lembrança da avó sobreveio como um soco no peito, prensando a garota na cadeira, tão intensa que era quase possível sentir o cheiro do talco que a velhinha gostava em sua própria pele. Saudade. Seria mesmo possível que estava sentindo saudade da avó? Já haviam se passado meses e ela não sentira nada, nenhuma tristeza, nenhum vazio. Agora este aperto no peito, esta vontade de chorar... "Coisa mais sem sentido! Deve ser culpa da música". Evitando pensar demais, Helena desliga o toca-discos, toma um grande gole de vinho e começa a preparar o banh

Tricô na cadeira

Ele não vem para te ver, Ana, vem resolver alguns problemas e só. Esqueça; mesmo que vocês se encontrem, este não é o objetivo da vinda dele a Ouro Preto. Houveram tantas outras oportunidades para te fazer uma visita... Há quantos anos você está nesta cadeira de rodas? Três, quatro anos? E quantas foram as vezes que ele veio aqui? Nenhuma, minha querida, nenhuma. Por Deus, não chore! Não agora, não por ele. Tome este lenço, ou vai querer que ele te veja com o rosto manchado de lágrimas? Agora está melhor. Sei que falando assim eu te machuco, mas minhas palavras ferem unicamente por serem verdade. Quer um copo d'água? Não precisa ir à cozinha, eu busco. O que ele disse no telefonema? Só avisou que chegaria em Ouro Preto hoje à noite? E prometeu que viria amanhã cedo? Ana, Ana... Você bem sabe que mesmo após tantas juras e promessas ele pode não vir! Não será a primeira nem a última vez. De repente surge um negócio importantíssimo para fechar, uma doença na família, um gato preso na

Peço.

Bela, Bela, Bela... Será possível que nunca mais verei o brilho ingênuo dos seus olho? Você está crescendo, Bela. E, em um curto espaço de tempo, não lhe será mais permitido ver um balão como uma bola colorida na qual você gostaria de ser agarrar e sair voando pelo mundo; um balão deverá ser tão somente um balão. Não poderá mais tomar sorvete e sujar a roupa, pois adultos não derramam sorvete -- e não sabem aproveitá-lo, diga-se de passagem. Ah, minha pequena, você está crescendo. Eu gostaria de vendar-lhe os olhos e tapar-lhe os ouvidos, para que nada maculasse sua doçura imprudente e sincera. No entanto isto não é possível. Então rezo. Rezo para que as pedras deste mundo cinza não se acumulem sobre suas costas e não tirem a leveza de sua alma. Certas dores e fardos serão inexoráveis, algumas lágrimas serão derramadas em oferenda à solidão; não posso rezar para que não lhe aconteça aquilo que está escrito, não posso pedir a deus (seja qual for o deus) para que não sofra. Mas a leveza.

Tentativa

Há de chegar o dia em que escreverei sobre meus amigos, contado assim, ao mundo, o grande segredo de meus tantos sorrisos. Um dia diria a todos que seus abraços me são mui caros, seus despreocupados "olás", uma benção. Este dia há de chegar - há sim senhor! -, no qual saberão que, não fossem eles, eu não passaria de uma murcha maria-sem-vergonha, flor seca. Não é mistério, contudo, que este dia não é hoje; tenho um roto coração e migalhas de alma para recuperar. Mas há de chegar...

Não é o que se pensa...

Peço desculpas a todos aqueles que levam este blog a sério; infelizmente a função deste não é ser sério, ou contundente. Serve tão somente como depósito daquilo que penso sob a forma de textos que nem sempre são um reflexo exato do que vivo. De vez em quando são só textos, jogos de palavras. Dou-me o direito, hoje, de postar aqui algo que me fez dar gargalhadas o dia inteiro. É fofinho!

Antes ou depois do ano acabar?

Passam de duas horas da manhã, e pela centésima vez meu castelo de cartas cai antes que eu coloque o derradeiro par. Todos dormem, a casa está em absoluto silêncio; nem a minha respiração é capaz de macular a aura quase mística que envolve minha insônia. Quando era pequena me punha a construir castelos, a imaginar que seria "o meu castelo", onde eu iria morar com meu amado, teria meus filhinhos, e morreria bem velhinha. Agora, aos quase vinte, empilho cartas para me distrair, nada de amores, filhos ou planos para morrer. Brincar com o baralho pode parecer uma atividade solitária, mas não é; é uma atividade "esvaziadora". Me concentro nas cartas e esqueço do mundo. "Adios" problemas, preocupações e sentimentalismos. Um momento egoísta? Sim, extremamente. Masturbação do ócio -- pena que se torne enfadonha após prática constante. Baralho e porre. Duas coisas as quais posso me dar o luxo de usufruir apenas algumas vezes ao longo do ano. O exagero leva à falsa