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Baby, bye bye

"Me coloca na cama se eu dormir?" Ele respondeu com um beijo rápido, e aninhei sobre suas pernas. O sofá estava tão aconchegante, o colo dele tão convidativo! Mal conseguia manter meus olhos abertos. Tentei assistir o filme, mas ele começou a mexer em meus cabelos... Acabei dormindo na sala de estar. Acordei cedo, mesmo sendo domingo. Ele dormia profundamente, num respirar lento, tranqüilo, relaxado... Há tempos não o via assim! Ajeitei as cobertas sobre seu corpo e sai da cama. Fui até o banheiro lavar o rosto e, ao olhar no espelho, percebi sem muita certeza tristeza em meu sorriso.

A casa estava gelada, há anos não fazia um inverno tão rigoroso. Vesti o moletom vermelho, preparei um chá de maçã e sentei na rede da varanda. O céu estava clareando, não havia movimento na rua, o vento a embaraçar meus cabelos... Me perdi em meio às lembranças da noite anterior. Fora tudo inesperadamente perfeito: o telefonema, a praça, a pizza, o vinho, o sexo, o início do filme. E também inesperadamente tarde. Eu devia ter contado a ele sobre a mudança assim que entrara no carro! Tive receio de estragar o momento e acabei ali, sofrendo sozinha.

Eu temia não ter oportunidade para me despedir e de repente estava na casa dele, vestindo suas roupas, sentindo seu cheiro na minha pele. Beirava o cômico lembrar que, por alguns instantes, hesitara em atendê-lo, acreditando que telefonava para reclamar do nosso último encontro - e última briga. Após o fim do namoro nos vimos algumas vezes, todas elas encerradas com discussões inúteis e orgulhos feridos. Peguei o telefone das mãos de minha mãe pronta para me defender de qualquer acusação e, no entanto, tive de segurar na mesa para não perder o equilíbrio; ouvi-lo dizer que estava com saudades não era algo que esperasse acontecer. Ainda zonza pelo tom da conversa, aceitei o convite para sair. Será que agi corretamente? Ainda não sei como fui capaz...

Era o derradeiro encontro e mais parecia o primeiro: dois adultos rindo como adolescentes, tremendo a cada cruzar de olhos, beijando-se com ânsia, cigarro, sofreguidão. Perdemos a noção da hora, e era hora de partir... Com que pernas? Talvez sair enquanto ele dormia, deixar um bilhete, telefonar mais tarde? Ou então esperá-lo acordar, fazer um café e contar que tinha um voo para Madri marcado para o dia seguinte? Com que pernas? Eu poderia não ter ido embora, nunca mais. Ter morado com ele, dividido a vida, o isqueiro e a escova de dente. Se ele tivesse ligado há um mês atrás...! Será que teria feito alguma diferença? Mesmo se a resposta fosse sim, o fato é que eu não tinha coragem nem disposição para abandonar meus planos a troco de viver uma paixão cuja chama estava prestes a se apagar. Uma boa cama não valia tal preço. Boníssima cama, a propósito - ou despropósito, considerando que não aconteceria novamente.

Sem saber se devia partir, fui para o quarto vestir minhas roupas. Ele dormia, mas qualquer movimento brusco poderia acordá-lo. Estava tão frágil, tão indefeso, tão meu, distante de toda a tempestade que se passava na minha alma! Queria ter estendido esse momento por uma eternidade. E não havia eternidade, não havia ao menos cinco minutos. Eu precisava sair dali, antes que as pernas me traíssem. Batendo portas, tropeçando em degraus e correndo mais do que meu pulmão podia suportar, fugi. Sete quarteirões depois sentei no meio-fio e me pus a chorar...

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