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Mostrando postagens de 2012

Romance de papel

Buenos Aires, duas histórias, um casal eminente que ainda nem se conhece. Enquanto os protagonistas abrem a janela do apartamento (e, metaforicamente, da própria vida), o cantor diz assim escondidinho em inglês: 'Cause true love/ is searching too/ But how can it recognize you/ Unless you step out into the light? Estavam próximos um do outro, mas distantes de si mesmos... Para nosso alívio e deleite, eles se encontram no final - por favor, não reclame por ser algo óbvio; a vida real não é cinema e nós precisamos de um pouco de romance para alimentar as ilusões. Assisti a essa cena dezenas de vezes, a música preenchendo minha mente feito um mantra. Onde eu estou errando? Porquê não consigo abrir minha janela? De onde vem tanto receio e ceticismo? Como saber se a pessoa certa está a uma quadra de distância e só eu não consigo perceber? Existe "a pessoa certa"? Então veio outro filme, outra cena, e me deparei com uma possível resposta: algumas pessoas nascem para

Sobre mergulhos e invasões de domicílio

Eu falo muito. Falo alto, passando do grave ao agudo em uma mesma frase. Sempre tenho um assunto escondido na manga para quebrar a monotonia, o protocolo, a rigidez. Mas também gosto de ouvir; faço perguntas, incomodo, instigo meu interlocutor a falar.  Ver o interlocutor falar. Como ele se expressa, se olha nos meus olhos, se mexe nos cabelos, se cruza os braços. A tensão nos ombros, o balançar de pés, o copo à frente, o corpo. Como ele trata o garçom, como se porta junto aos amigos.  Pensar que nos expressamos somente através das palavras é sinal (ou seria um sintoma?) de uma imensa pobreza de percepção e sensibilidade. Os movimentos e tensões corporais, a escolha das palavras, a pronúncia, o tom que utilizamos são alguns dos incontáveis componentes da mensagem que pretendemos transmitir, conferindo sentidos que ultrapassam os verbetes do dicionário.  Desvendar intenções em palavras que não foram ditas, desejos escondidos num olhar desviado, a reação após um leve roçar d

Poça d'água

E como não tinha solução, solucionado estava. Caminhando de volta pra casa, Ana observa o entardecer. Os últimos feixes de luz antes da noite cair, a morna melancolia se espalhando pelo ar depois de uma breve chuva de verão. Ela pisa nas poças de água como se espalhasse pelo chão sua própria angústia; o coração, nó cego, parece inchar dentro do peito e comprime, machuca. Os pés batem confusos no cimento. Ana quer correr, gritar, rir alto, contar ao mundo sobre aquele afeto que crescia mais a cada dia. E sente que a mesma ânsia de viver a empurra para um silêncio amargo, a conduz para o seguro estado de inércia onde a ausência de risco significa a ausência de sofrimento.  Ela sabe: esse é o efeito estanque do medo. Por mais certeza que tenha acerca de seus sentimentos, não há voz para dizer "quero você"; o medo da rejeição roubara cada uma das quatro sílabas presas em sua garganta. Medo puro, transparente, volátil e inflamável. Para não incendiar e explodir, Ana vira na

Pequena para dois

A solidão já foi um conforto, um forte, um porto seguro. Hoje ela é quase uma prisão, porque não sei ser outra coisa. Desaprendi a vontade de ter alguém. A cama é grande para mim e pequena para nós dois. Não existe lugar na minha vida para o "nós dois".

Fragilidade

 Não deveria dizer, mas eu preciso... Eu preciso que você ame minha solidão. Preciso que você ame meu medo da solidão. Porque irei me afastar e dizer que necessito ficar sozinha, mas tudo o que mais temo na vida é estar só. Preciso que você esteja perto, mesmo sem estar. Preciso saber que você está perto. Eu preciso que você espante cigarras do quarto e não alugue filmes de terror. Eu preciso que você ame minha rejeição às fraquezas. A rejeição às minhas próprias fraquezas. Porque suportarei os sofrimentos calada e brigarei quando você se oferecer para compartilhar um pouco da minha dor, mas tudo o que mais anseio é alguém para dividir as pedras que arrasto com os pés.  Eu preciso que você ame meu pânico em ser rejeitada. Meu medo de não ser amada. Porque às vezes irei passar por cima das minhas vontades e princípios sem que você perceba, só para não correr o risco de te ver partir. Eu preciso que você respeite meu asco a pronomes possessivos e as cartas guardadas d

O presente que eu não quero ganhar

Papai Noel, meu querido! Faz tempo que não escrevo, né? Acontece que nos últimos anos eu pedi algumas coisas e elas vieram bem atrapalhadas, então resolvi contar um pouco sobre mim e minhas intenções pra ver se o senhor acerta dessa vez. Fui uma boa pessoa durante o ano que está acabando; passei sábados e domingos trancada dentro do laboratório trabalhando, dei bons conselhos aos amigos entre uma e outra cerveja no buteco perto de casa, troquei o dia pela noite estudando para as provas da faculdade, tomei alguns porres, curei algumas ressacas, fui pro samba, pro rock e pro forró. Em suma, eu vivi bem do jeitinho que gosto: workaholic de oito às dezoito, boêmia de meia noite às seis.  Muito digno para uma mulher de vinte e poucos anos, não? Seria, não fosse a maldita paixão atravessando meu caminho... Duas vezes! E o que mais me emputece é saber que, há exatamente um ano atrás, eu estava sentada em frente ao mesmo computador choramigando minhas carências, minha solteirice crôn