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Poça d'água

E como não tinha solução, solucionado estava. Caminhando de volta pra casa, Ana observa o entardecer. Os últimos feixes de luz antes da noite cair, a morna melancolia se espalhando pelo ar depois de uma breve chuva de verão. Ela pisa nas poças de água como se espalhasse pelo chão sua própria angústia; o coração, nó cego, parece inchar dentro do peito e comprime, machuca. Os pés batem confusos no cimento. Ana quer correr, gritar, rir alto, contar ao mundo sobre aquele afeto que crescia mais a cada dia. E sente que a mesma ânsia de viver a empurra para um silêncio amargo, a conduz para o seguro estado de inércia onde a ausência de risco significa a ausência de sofrimento. 
Ela sabe: esse é o efeito estanque do medo. Por mais certeza que tenha acerca de seus sentimentos, não há voz para dizer "quero você"; o medo da rejeição roubara cada uma das quatro sílabas presas em sua garganta. Medo puro, transparente, volátil e inflamável. Para não incendiar e explodir, Ana vira na rua errada, se perde nos caminhos, tenta não se encontrar. Maior que o medo do "não" é o medo de se abrir a alguém que não vale o sacrifício de se expor. E, sendo assim, ela não avista melhor alternativa que fugir de seus próprios impulsos. 

Tal qual a criança que não enfia a tesoura na tomada pela segunda vez, Ana evita a si própria. Não se olha no espelho, não escreve, não fala sobre sua paixonite na mesa do bar. Ela espera. Pacientemente. O tempo sempre se encarrega de levar o que é de natureza efêmera.

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