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Mostrando postagens de março, 2006

Leve, bem de leve

Amanhã comprarei um pacote de balas de gelatina, uma garrafa de guaraná, três pacotes de biscoito recheado e uma caixa de bombons. Colocarei tudo dentro da mochila de ursinho, junto dos guardanapos xadrez, do prato de menininha e da caneca de leão. Armada até os dentes de bobagem vou invadir o jardim, abrir uma toalha branca no chão e montar acampamento. O sol não queimará meu rosto, e nem as formigas tentarão me atacar. Vou comer, comer, e quando me fartar de tanto doce deitarei sobre a toalha - meu pé estará limpinho, mamãe não terá motivos para xingar. Será o início da grande batalha. Apoiando a simpática edição de "Contos de Grimm" nos joelhos, explorarei todas as fronteiras da minha imaginação. Um silêncio quase virginal me protegerá dos ataques externos. A campanha será árdua, posto que para recriar um universo perdido na memória será necessário buscar em remotas lembranças as mais sutis cores da infância. A luta terminará tão somente quando ouvir alguém chamar: "A

Espuma e vinho seco

Helena encheu a taça, diminuiu a intensidade da luz e sentou na cadeira de balanço. No toca-disco, um antigo vinil de tango argentino; o aparelho de cds estava perfeitas condições, mas alguma lembrança antiga -- talvez anterior até ao seu nascimento -- a conduziu ao empoeirado toca-discos. Lentamente a música foi ocupando todos os cantos da casa, todos os cantos de Helena. "Era a Vó Cilica que gostava dessa música, não era?" A lembrança da avó sobreveio como um soco no peito, prensando a garota na cadeira, tão intensa que era quase possível sentir o cheiro do talco que a velhinha gostava em sua própria pele. Saudade. Seria mesmo possível que estava sentindo saudade da avó? Já haviam se passado meses e ela não sentira nada, nenhuma tristeza, nenhum vazio. Agora este aperto no peito, esta vontade de chorar... "Coisa mais sem sentido! Deve ser culpa da música". Evitando pensar demais, Helena desliga o toca-discos, toma um grande gole de vinho e começa a preparar o banh

Tricô na cadeira

Ele não vem para te ver, Ana, vem resolver alguns problemas e só. Esqueça; mesmo que vocês se encontrem, este não é o objetivo da vinda dele a Ouro Preto. Houveram tantas outras oportunidades para te fazer uma visita... Há quantos anos você está nesta cadeira de rodas? Três, quatro anos? E quantas foram as vezes que ele veio aqui? Nenhuma, minha querida, nenhuma. Por Deus, não chore! Não agora, não por ele. Tome este lenço, ou vai querer que ele te veja com o rosto manchado de lágrimas? Agora está melhor. Sei que falando assim eu te machuco, mas minhas palavras ferem unicamente por serem verdade. Quer um copo d'água? Não precisa ir à cozinha, eu busco. O que ele disse no telefonema? Só avisou que chegaria em Ouro Preto hoje à noite? E prometeu que viria amanhã cedo? Ana, Ana... Você bem sabe que mesmo após tantas juras e promessas ele pode não vir! Não será a primeira nem a última vez. De repente surge um negócio importantíssimo para fechar, uma doença na família, um gato preso na