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Eu te conheço demais

Fim de sábado morno, preguiça e uma caneca de chá de erva doce.

A música que sai do fone acerta em cheio, boca do estômago. "Friends, lovers or nothing/We'll never be the 'inbetween'/So give it up"*. Give it up, desista, esqueça, passe a bola.

Nós tentamos uma, duas, três vezes. Amigos perfeitos, péssimos amantes. Qual a melhor solução para admitir o fracasso? Você me olha como quem diz "eu te conheço demais, Beatriz" e o chão se abre sob meus pés, as roupas sujas espalhadas ao redor...

Não deu certo porque não deu, simples assim. Falta alguma coisa que a gente não acha pra comprar na mercearia ou na internet. Sem mimimi e justificativas vazias. Não que eu vá fingir que abril não aconteceu ou deletar nossas fotos do computador... Tô bem, mesmo. Mas não quero falar sobre nós. Não preciso falar sobre nós. Não deu certo porque não deu, simples assim.

Eu queria tomar cerveja e questionar sobre a necessidade de perguntas, de explicações para o fim. Queria conversar sobre a dinâmica dos relacionamentos. Sobre como nossa criação nos leva a enxergar tudo através de lentes dicotômicas, que divide o mundo em vencedores e perdedores, mocinhos e vilões. 

Mas você me olha e diz "eu te conheço demais, Beatriz". E tudo desanda.

Ilustração: Laura Callaghan


*"Friends, Lovers or Nothing", John Mayer

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