Pular para o conteúdo principal

Ainda sobre o pudor - e talvez sobre a escrita


Nua, sentada no chão com as pernas abertas, o céu escuro sobre a cabeça, uma vida inteira que não cabe nas mãos e escorre...

Sem sexo, sem o peso do sexo. Nua como um anjo.

Pernas contra o chão frio; o sincero contato com a dura, firme e gélida realidade do chão. Pernas em seu íntimo desejo de ser chão.

Estrelas num céu de inverno, inúmeras. Luzes numa noite de inverno, inúmeras: janela.

Culpa, quem precisa? Quanto mais penso, mais cresce essa massa fértil, essa semente germinante que é a vida. Não, o pudor não é necessário; todas as peças de roupa que a culpa nos faz vestir, as inúmeras máscaras, nada disso é necessário! Se tudo desejo, se tudo é desejo e vontade e ânsia e intenção...!

E agora o desejo é estar nua: carne, osso, pele, pelos. Retiro peça por peça, com a calma de quem adoça os caminhos com saliva e mel. Jogo no chão frio (o mesmo chão que se confunde com as minhas já despidas pernas) as querências silenciadas, os nãos que nem cheguei a ouvir, os olhares repressores, as falas contidas e de contenção, os impedimentos, tudo aquilo que me amarra, que me amarga, que azeda o leite.

Nua e de pernas abertas, exponho o que nunca foi e nunca será vergonha. Nua e de pernas bem abertas sinto o prazer de ser e estar: sem culpa.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Eficiente e rosada

Ah, claro, é porque eu tenho buceta. Desse jeito assim, b.u.c.e.t.a. Comprada em suaves prestações, tecnologia de ponta. Não fede, não sangra, não adoece, não cansa, não estressa. Apenas uma eficiente e rosada buceta. É a tal da buceta quem me dá tudo: dinheiro, amor, comida, prazer, joias, cortesia na balada. E é a mesma buceta quem me chama de vadia, galinha, vagabunda, puta. Buceta não tem nome. Pênis tem; João, Diego, Rodrigo, Mateus. Buceta nunca, é só buceta. Sirlanney (http://sirlanney.tumblr.com/)

Poça d'água

E como não tinha solução, solucionado estava. Caminhando de volta pra casa, Ana observa o entardecer. Os últimos feixes de luz antes da noite cair, a morna melancolia se espalhando pelo ar depois de uma breve chuva de verão. Ela pisa nas poças de água como se espalhasse pelo chão sua própria angústia; o coração, nó cego, parece inchar dentro do peito e comprime, machuca. Os pés batem confusos no cimento. Ana quer correr, gritar, rir alto, contar ao mundo sobre aquele afeto que crescia mais a cada dia. E sente que a mesma ânsia de viver a empurra para um silêncio amargo, a conduz para o seguro estado de inércia onde a ausência de risco significa a ausência de sofrimento.  Ela sabe: esse é o efeito estanque do medo. Por mais certeza que tenha acerca de seus sentimentos, não há voz para dizer "quero você"; o medo da rejeição roubara cada uma das quatro sílabas presas em sua garganta. Medo puro, transparente, volátil e inflamável. Para não incendiar e explodir, Ana vira na

Sai do portão e vem brincar

Anda, sô, toca a campainha e corre! Não posso. Não mais. Eu quero tocar a campainha e esperar. Se for moça dar bom dia, se for velha pedir um copo d'água, se for cachorro tropeçar nos pés e cair na calçada. Eu quero tocar a campainha e esperar. Cansei de dar as costas à vida e entrar debaixo da saia da minha mãe. Eu quero o esporro, o sorriso e o desprezo.