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Ainda sobre o pudor - e talvez sobre a escrita


Nua, sentada no chão com as pernas abertas, o céu escuro sobre a cabeça, uma vida inteira que não cabe nas mãos e escorre...

Sem sexo, sem o peso do sexo. Nua como um anjo.

Pernas contra o chão frio; o sincero contato com a dura, firme e gélida realidade do chão. Pernas em seu íntimo desejo de ser chão.

Estrelas num céu de inverno, inúmeras. Luzes numa noite de inverno, inúmeras: janela.

Culpa, quem precisa? Quanto mais penso, mais cresce essa massa fértil, essa semente germinante que é a vida. Não, o pudor não é necessário; todas as peças de roupa que a culpa nos faz vestir, as inúmeras máscaras, nada disso é necessário! Se tudo desejo, se tudo é desejo e vontade e ânsia e intenção...!

E agora o desejo é estar nua: carne, osso, pele, pelos. Retiro peça por peça, com a calma de quem adoça os caminhos com saliva e mel. Jogo no chão frio (o mesmo chão que se confunde com as minhas já despidas pernas) as querências silenciadas, os nãos que nem cheguei a ouvir, os olhares repressores, as falas contidas e de contenção, os impedimentos, tudo aquilo que me amarra, que me amarga, que azeda o leite.

Nua e de pernas abertas, exponho o que nunca foi e nunca será vergonha. Nua e de pernas bem abertas sinto o prazer de ser e estar: sem culpa.

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