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A. A.

Ana chega em casa, larga as roupas no caminho do banheiro e entra debaixo d'água. Aquele bar fechado e tantas pessoas fumando, meu cabelo é praticamente um cinzeiro, eu estou cheirando a cinzeiro!

Ela deixa a água lavar bem os cabelos, shampoo e condicionador. E o cheiro continua. Passa o sabonete uma, duas, três vezes. Esfrega a pele com força, usa a esponja vegetal, muita força. E o cheiro continua.

Não é mais o cheiro do cigarro, mas algo estranho a ela, não pertecente.

Ana senta debaixo do chuveiro e sente a água caindo sobre as costas, o rosto, o chão frio... É o cheiro que afasta outros homens, que a pertuba durante o sono. Ela sabe, por mais ímpeto que tivesse em não saber: é o cheiro de mulher marcada. De mulher que deseja apenas um, aquele, e que exibe todo o orgulho de sua paixão inclusive nos odores.

No entanto Ana não pertence a ninguém. Não oficialmente: o status da rede social diz "solteira". E o cheiro incomoda porque expõe a flor da pele tudo aquilo que ela deseja esquecer. O colo e os ombros estão vermelhos, a esponja arranha os seios, o pescoço, a nuca... A água, o sabão, nada leva embora aquele cheiro maldito que brota como que por debaixo da derme, uma fonte contínua e incansável de lembranças.

Cansada e com o corpo machucado, Ana sai do banho, enxuga o corpo, acende um incenso e deita sem roupas sob o edredon. O cheiro não foi embora, ela sabe, mas o incenso a fará esquecer. Só por essa noite, uma noite de cada vez.

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