Ganhei uma boneca no natal passado. Porcelana finíssima, cabelos negros e vestido cor vermelho sangue. Era a mais bonita de todas as minhas bonecas e a mais frágil também; parecia que só de olhar trincava. Daquelas que a gente ganha e tranca no armário, tamanho o ciúme e o medo de perder. Eu, no entanto, muito vaidosa do presente coloquei na estante da sala.
Um dia, por acaso, a filha da vizinha viu a boneca e pediu para brincar. Relutei por uns instantes, fiz cara feia, mas acabei cedendo. Ora, a menina tem oito anos, nem é tão pequena, não há de acontecer nada! Todas as tardes ela vinha com suas panelas, xícaras e chás de mentirinha; a felicidade dela era minha também - que ficava sempre perto, por precaução.
Com o passar do tempo já não me preocupava com a boneca, não havia mais receio de um acidente qualquer. E, obviamente, o óbvio aconteceu: em uma terça-feira insuportavelmente quente a menina, ao voltar com a boneca para a estante, a deixou escorregar das mãos e espatifar no chão. Espatifar, estilhaçar, virar pó. Pedaços de porcelana se espalharam por toda sala e o circo se armou: eu gritava de raiva, a menina chorava de culpa. Era só uma boneca, mas era minha! E ela sabia o quanto me era preciosa porque lhe era preciosa também.
Passada a raiva, me restaram apenas lamentações e tempo, muito tempo para refletir o porquê do ocorrido. Olhando com um pouco menos de paixão e um pouco mais de frieza, não aconteceu nada muito diferente do imaginável: se eu não queria que ela quebrasse, que a tivesse mantido no armário ou lacrada na caixa! Mas a beleza da boneca era tanta que não era possível guardar só para mim, era preciso compartilhar. E como não compartilhar com uma criança, mesmo diante de todos os possíveis riscos?
Compreendi tudo o que me fora permitido compreender, perdoei na medida em que é possível perdoar, mas nada disso diminuiu minha tristeza ou evitou as poucas lágrimas derramadas no chuveiro. Era só uma boneca, mas era minha e só eu sei o quanto me era preciosa...
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