Este não é o meu quarto. Esta não é a minha casa. Não são meus a cozinha, o cinzeiro ou o sabonete. Aos poucos vou conhecendo os detalhes, o estar de cada coisa, o olhar oblíquo e a palavra que se esquiva de uma pergunta indelicada. Eu poderia pertencer a este lugar, confundir meu cheiro com dele, e, ainda sim, nada seria meu. Deveria me sentir uma invasora. Há outra dona para este lar. Posso senti-la no vapor que sai da chaleira. Posso vê-la nos lençóis que cobrem as camas. Posso ouvi-la no barulho da rua que chega através das janelas. A esta “uma” pertence tudo o que se respira ou se cala. Deveria me sentir invadida. Entrei por aquela porta sem saber que houvera outra a desfilar odores femininos pelo corredor. Sem saber que música dançar. Sem saber com que mãos ouvir. Entrei sozinha, desarmada, permeável. Deveria nada sentir e ir embora. Ainda não fui. Nada quero possuir. Quero tão somente estar. Poder chegar e partir sem me partir ao meio. Estar aqui e, ao sair, não estar nem mais,